Gratidão


Certa vez, ao final de uma sessão, uma cliente me presenteou com um porta-óculos. Estávamos nos despedindo e ela, um pouco constrangida, me entregou o pacote. Não é tão frequente a troca de presentes entre paciente e terapeuta, ela também não sabia que meu aniversário estava chegando, nem justificou o presente pela época do Natal. Era só um presente.

Contente aceitei o pacote e o abri com uma ponta de surpresa e curiosidade: o que além do presente ela estaria me dando?

Ela sorriu e apenas disse que estava numa loja de patchwork e se lembrou de mim, que uso óculos e gosto de coisas coloridas. A reação dela me parecia dizer ainda mais que as palavras.

Nossas sessões recentes haviam tocado em assuntos difíceis, sobre o amor, relacionamentos e mágoas. Juntando estes e outros pedacinhos de nossa relação terapêutica, conclui que definitivamente não era um presente para agradar e mais que isto, era um presente para agradecer. Um gesto e algo concreto, como uma das já famosas linguagens do amor.

Fiquei muito grata pelo presente e pela gratidão dela. Me validou como pessoa e terapeuta, validou algo da troca na terapia. Me colocou a pensar sobre quantas pessoas fazem parte de nossas conquistas e ainda em quantas conquistas de outras pessoas fazemos parte. Aprendemos e ensinamos o tempo todo em nossas relações, em nosso trabalho.

A gratidão é forma de valorizar estas relações, suas trocas entre o dar e o receber. Sentir-se grato é muito mais que seguir a regra de etiqueta que papai e mamãe ensinaram. A gratidão é uma das proezas do amor.

É comum encontrar pessoas insatisfeitas, sentindo que fazem mais pelos outros do que recebem. Não sentem que seu fazer seja valorizado e se ressentem. Pois a caridade sozinha, sem gratidão é exaustiva.

Quem é grato pela vida que recebeu de seus pais com todas suas vicissitudes (tudo, sem juízo sobre bom ou ruim) é feliz. Quem é capaz de demonstrar gratidão, além de mais feliz, é alguém com boa maturidade emocional, pois consegue dar e receber amor.

Demonstrar gratidão nem sempre se faz em forma de presentes, mas em palavras de carinho e estímulo, abraços, orações, indicação de trabalho, empréstimos de livros, entre tantas outras ações que mantém uma relação positiva.

Desejo


“Desejo” em seus inúmeros significamos e aplicações é tema que passeia por toda filosofia, a arte, a psicologia.

Aiaiai, se tem algo que mobilizou a psicologia, em especial a psicanálise, é esse tal do desejo.

E como pensar em terapia de casal sem considerar tudo que o desejo mobiliza? Tudo que somos capazes de fazer, sacrificar, criar etc. em nome de nossos desejos!?!

O que é isso que pulsa em nós serehumaninhos e nos faz querer compartilhar algo da vida com alguém? (Seja só momento ou para resto da vida)

Quando um casal busca terapia pode estar com seus desejos frustrados, sufocados, confusos entre a vida conjunta e o que desejam individualmente. O desejo também pode estar alugado fora da relação.

A ajuda começa quando se olham nos olhos e reconectam ao essencial, dizendo em voz alta: “eu desejo você”.

Em muitos casos falta ao casal se comunicar sobre os desejos, sejam eles planos complexos ou simplesmente do sexo que fazem. Podem ser desejos fantasiosos ou ideias para novas ações. Se falar de desejo trava em casa, podem ir ao consultório.

Agora, pense um pouco só nesta palavra.

Desejo.

Que imagens lhe vêm à mente?

Que emoções ela evoca?

 (In)Compatibilidades


Amar é comunicar as diferenças

Depois de um tempo em relação as pessoas começam a perceber incompatibilidades como se viessem do nada. Como se um dia se apercebesse que “no começo não era assim!”. E não era mesmo!  

No início se vive o encantamento da paixão, tudo é muito novo e excitante! Nesta fase da sedução, fazemos nosso melhor transparecer e deixamos nossas qualidades menos desejáveis escondidinhas.

Quando apaixonados queremos apenas o bom da relação e, assim, tudo gira em torno das compatibilidades e que se complementa positivamente, o que gosta de se ter em comum.

Ao longo do relacionamento encontramos também as partes que se conflitam. São as incompatibilidades nos hábitos, interesses, companhias. Parecem se tornar opostos. Um quer sair em alto estilo, o outro prefere assistir TV de pijama. Um é passional e energético, o outro é lógico e calmo. Um “não existe” até às 10h da manhã, o outro acorda todos os dias às 6h com o melhor humor. E tantas outras polaridades de um querer exatamente o oposto do que o outro naquele momento.

Desconfortos e conflitos nas escolhas surgem, trazendo impasses de convivência. Pode não parecer, mas estas diferenças de temperamento, hábitos e cultura não indicam que o amor vá diminuir ou acabar. Pelo contrário, são as diferenças que podem nos ensinar novas possibilidades de ser ou ver a vida.

O amor fortalece quando aceitamos por inteiro nosso(a) parceiro(a), sua história e sua origem. O sentimento de amor por si não basta para um relacionamento, é preciso encarar as incompatibilidades, mostrar o amor em ações cotidianas. A solução para gênios diferentes está na capacidade de cada um em flexibilizar. 

Alguém tem que ceder. A negociação, o movimento do amor se dão quando ambos se sentem respeitados e aceitos, também se permitem a respeitar e aceitar ao outro. Como descobrir o que é justo para que cada um ceda? Comunicando!

Muitas vezes cedemos a uma opção ou opinião sem que o outro saiba que estamos cedendo e este esforço pela relação não é reconhecido.

É preciso carinho para conversar (realmente ouvir e ser ouvido) sobre as diferenças e buscar juntos as soluções para elas. Cada qual precisa chegar até a metade do caminho para que se encontrem e tenham seu esforço recompensado. É como uma balança de dois pratos que precisa sempre voltar ao equilíbrio, senão um lado cai.

Cada casal pode inventar o seu próprio jeito de encontrar este equilíbrio, cuidando para que ninguém se sinta sobrecarregado. Este é o desafio do relacionamento: amar apesar das “melhores”
e das “piores” qualidades de seu(sua) parceiro(a).

Receptividade


Não somos seres autossuficientes. Precisamos do outro, precisamos do amor, da atenção, da presença. “Saber” ser amado é tão importante quanto amar.

Sem querer querendo encontrei de novo uma música para falar de casal, essa vez de Paralamas do Sucesso: “saber amar é deixar alguém te amar”.  (A canção fala do “amor” controlador, cruel e ciumento, o que é oposto de saber amar e da receptividade amorosa.)

Como anda sua capacidade de receber e reconhecer o amor do outro?

A receptividade amorosa faz parte da balança do dar e do tomar.

É uma ordem imponente ao relacionamento, o mantém, fortalece ou desgasta.

Na terapia familiar sistêmica esta é uma ordem conhecida e identificada pelo equilíbrio.

Se o equilíbrio falta, a raiva aparece, a proximidade pode se tornar ruim.

Quando as pessoas enrijecem numa forma de funcionar, tornam a relação toda mais rígida também. O carinho, o respeito passam a ser regulados.

Ao invés de romper a relação, acabam entrando numa dança de trocas “negativas”, onde cada um dá um pouco menos de si por despeito ou ainda se tornam pessoas mal agradecidas, sem dar valor aos esforços e carinhos.

O equilíbrio das trocas “do ruim” mantém o relacionamento cada vez mais tóxicos.

Na terapia de casal se busca realinhar esta balança.